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Mano Brown no Supremo

Como questionar o "notório saber jurídico" a quem compôs "Diário de um Detento"?

Como questionar o “notório saber jurídico” a quem compôs “Diário de um Detento”?

Publicado orginalmente da Folha de São Paulo, em 10/4/2023.

Daniel A. Vila-Nova G.

Jurista, advogado, pesquisador e professor no IDP e na UnB; é mestre em direito, estado e constituição (UnB), doutor em ciência política (UFF) e diretor-jurídico do Instituto Beta: Internet & Democracia (Ibidem)

Paulo Rená da Silva Santarém

Pesquisador, é mestre e doutorando em direito, Estado e Constituição (UnB); codiretor-executivo da ONG Aqualtune Lab: Direito, Raça e Tecnologia


Ninguém considerou ao Supremo Tribunal Federal um certo sujeito paulista nascido em 1970, premiado em 2014 com a Ordem do Mérito Cultural e companheiro há décadas de uma advogada de direitos de mulheres negras. Mas seu nome seria, talvez, o mais inovador: Pedro Paulo Soares Pereira, vulgo Mano Brown, vocalista do grupo de rap Racionais MC’s.

Lula (2) e Dilma (4) seguem responsáveis pela atual maioria (6) do STF. Cada gestão indicou uma das duas mulheres. A única pessoa negra da história foi indicada por Lula. Cinco aposentadorias (Eros Grau, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa, Ayres Britto e, em breve, Ricardo Lewandowski) e duas mortes (Menezes Direito e Teori Zavascki). Houve algum aprendizado pelo PT? A trajetória de colaboração pessoal com a chefia do Executivo é um fio seguro contra o minotauro que assombra esse labirinto?

O rapper Mano Brown, dos Racionais MC’s – Divulgação

Com Jair Bolsonaro, a discussão se empobreceu na desinstitucionalização geral. Cabe-nos recorrer ao absurdo, não para reduzir, mas para maximizar: queremos animar o horizonte de possibilidades e pensar alternativas enriquecedoras.

Imaginar Mano Brown no STF seria, no mínimo, curioso e, no máximo, revolucionário. A grande influência social, a liderança comunitária ciente das necessidades do povo e a dedicação de vida à disputa frontal por igualdade o qualificam. Como questionar o “notório saber jurídico” em direito penal e sobre o “estado de coisas inconstitucional” do nosso sistema penitenciário de quem compôs, décadas atrás, a canção “Diário de um Detento”?

Mano Brown

Crítico e astuto, profundo conhecedor das questões políticas, sociais e humanitárias do país, o qual costuma retratar como injusto, violento e desigual nas letras com descrições complexas de fatos problemáticos, mas em escrita acessível às pessoas leigas em direito. Ao propor respostas materiais para ajudar a população, extrapola a impressão de direitos em “folha de papel”. No STF, Brown traria perspectivas valiosas, experiência de vida singular (na corte, mas cheia de pares no Brasil) e conhecimentos densos. Ajudaria a construir mais democracia, com bases inclusivas e plurais.

Nós defendemos a importância de indicar uma mulher negra, e Mano não se lançou ao cargo. Mas aqui elevamos o desafio de Lula, clamando por ouvidos abertos para outras vozes. Pedro Paulo, na condição de rapper, leciona que “A mudança acontece onde menos se espera, mas é lá que ela precisa acontecer”. Que lições cantaria Brown no Supremo?

Veja os ministros negros do STF e do STJ

Realizada, a indicação poderia gerar reacionarismo de quem deprecia o Estado laico, a diversidade e a representatividade. Mas já não é essa a monocultura? Quantas abordagens excludentes não fundamentam decisões cuja atecnia jurídica ou inconsistência política se camuflam pela formação acadêmica? O radicalismo de alguém do “outro lado”, mas que se assumisse, só transparecia o que costuma estar opaco.

A indicação de Pedro Paulo ao STF seria sensata e racional (com trocadilho): um avanço nunca antes visto na história deste país rumo à promoção dos direitos humanos e da justiça social.