Enfrentamento a estratégias de desinformação no 2° turno das eleições 2022
Eleições 2022 FakeNews TSEAs eleições brasileiras têm sido marcadas por uma avalanche de conteúdos falsos, que podem ter papel decisivo no resultado das urnas no dia 30 de outubro. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, as denúncias deste tipo de mensagem cresceram 1.671% em relação ao pleito de 2020. A divulgação de informações inverídicas é um dos crimes previstos na legislação eleitoral, por ameaçar a integridade das eleições e o livre exercício do direito ao voto, que não pode prescindir do acesso a informações verdadeiras sobre as opções em disputa.
Originalmente Publicado no site da Coalizão Direitos na Rede, em 21/10/2022
Parecer técnico | Sugestões de medidas emergenciais às redes sociais e apps de mensageria
Sumário Executivo
As eleições brasileiras têm sido marcadas por uma avalanche de conteúdos falsos, que podem ter papel decisivo no resultado das urnas no dia 30 de outubro. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, as denúncias deste tipo de mensagem cresceram 1.671% em relação ao pleito de 2020. A divulgação de informações inverídicas é um dos crimes previstos na legislação eleitoral, por ameaçar a integridade das eleições e o livre exercício do direito ao voto, que não pode prescindir do acesso a informações verdadeiras sobre as opções em disputa.
A Coalizão Direitos na Rede vêm há anos alertando e cobrando a necessidade de medidas efetivas e regras claras, inclusive na legislação, para enfrentar este problema. Infelizmente, com resistências do governo atual e pressão de grupos econômicos, essa agenda não avançou no Congresso Nacional. Diante disso, restou à Justiça Eleitoral e às plataformas digitais – pressionadas pela sociedade – adotarem medidas neste sentido.
A centralidade das plataformas digitais no debate público cresce a cada ano. O impacto do que circula nesses ambientes pode ser decisivo na formação da opinião em processos eleitorais. É no interior dessas plataformas que se espalha de forma descontrolada a desinformação. Assim, cresce a pressão sobre essas empresas para que elas atuem de forma mais incisiva para conter a viralização desses conteúdos e trabalhem em cooperação com a Justiça Eleitoral.
Infelizmente as respostas dessas empresas têm sido muito aquém do mínimo necessário. Há, inclusive, algumas que sequer dialogam com a Justiça Eleitoral e nem respeitam as decisões judiciais, como o caso do Telegram. A CDR reitera que esses agentes precisam assumir seu papel para evitar que a desinformação dê a tônica das eleições. É preciso que as plataformas atuem ativamente para derrubar conteúdos sabidamente falsos que afetem a integridade eleitoral e sejam ágeis no cumprimento das decisões da Justiça Eleitoral. O lucro dessas empresas não pode estar acima da manutenção de um regime democrático e do processo de escolha livre e esclarecida dos governantes.
A Justiça Eleitoral vem empreendendo esforços ainda insuficientes para fazer frente à avalanche de desinformação. O Ministério Público Eleitoral não se preparou adequadamente e não atua a contento para combater as redes de produção e difusão de conteúdos falsos. O Tribunal Superior Eleitoral aprovou resoluções com medidas relevantes, estabelecendo penas para a divulgação de informações falsas e decidindo pela remoção desse tipo de conteúdo. A mais recente, de 20 de outubro, trouxe avanços válidos, como a obrigatoriedade de derrubada de conteúdos iguais aos já penalizados com exclusão após devido processo legal e a agilização do cumprimento de ordens de remoção de mensagens inverídicas sancionadas pela Corte. Contudo, o tribunal precisa criar imediatamente instrumentos para que tais respostas sejam efetivamente implementadas, especialmente no tocante à execução pelas plataformas digitais.
A candidatura de Jair Bolsonaro e parte de seus apoiadores vêm promovendo uma campanha de questionamento das próprias medidas de combate à desinformação. É sempre fundamental ressaltar que a liberdade de expressão deve ser equilibrada com demais direitos e valores (como a igualdade de chances no pleito eleitoral, o enfrentamento à violência política e ao discurso de ódio, e a proteção do Estado Democrático de Direito). Aplicar medidas para garantir e fiscalizar essas normas não é censura; ao contrário, é garantir que as pessoas recebam informações de qualidade. Liberdade de expressão não é liberdade de enganar em período eleitoral. Tais discursos virulentos e violentos inclusive prejudicam a liberdade de expressão e o pluralismo.
Diante deste cenário, a Coalizão Direitos na Rede lista recomendações emergenciais às plataformas digitais para conter as campanhas de desinformação, tais como:
– Submeter anúncios a serem publicados em português brasileiro a filtros de verificação prévia de conteúdo com termos referentes ao processo eleitoral.
– Ampliar o tempo de restrição para veiculação de propaganda eleitoral e impulsionamento de conteúdo político.
– Não impulsionar conteúdos alvo de denúncia de usuários até que passem pelos processos de moderação das plataformas.
– Despriorizar em mecanismos de busca, assim como em redes sociais, conteúdos postados por páginas repetidamente caracterizadas como propagadoras sistemáticas de desinformação de acordo com decisões da Justiça.
– Implementar medidas emergenciais no caso da circulação de desinformação que questione de maneira específica e clara o resultado da apuração do TSE bem como postagens contendo eventuais convocações para atos de violência contra o sistema eleitoral e demais instituições democráticas brasileiras.
Parecer Técnico
1. A escalada na circulação de conteúdos de desinformação e discurso de ódio no processo eleitoral brasileiro é acompanhada com preocupação por especialistas e autoridades nacionais e internacionais. O mundo está atento e observando como o Estado brasileiro e as plataformas de redes sociais estão atuando (ou não) para garantir a integridade do nosso processo eleitoral, a liberdade de expressão e a manutenção do Estado Democrático de Direito;
2. O exercício do direito e dever de voto depende da livre circulação de informações corretas, opiniões e críticas que visam fortalecer o debate eleitoral e, por consequência, o Estado Democrático de Direito;
3. Relembramos que a liberdade de expressão é um direito fundamental que deve ser protegido em equilíbrio com demais direitos, de acordo com a Constituição Federal e tratados internacionais. Isso quer dizer que não há liberdade de expressão e pluralismo quando há aos que se expressam violência, discurso de ódio, ameaças e desinformação. Estes discursos não estão sob a proteção da liberdade de expressão e a violam, prejudicando o acesso à informação de qualidade por parte dos cidadãos;
4. Destacando que, especificamente no contexto eleitoral, visando garantir eleições livres e legítimas, a Justiça Eleitoral veda “o discurso de ódio e discriminatório; atentados contra a Democracia e o Estado de Direito; o uso de recursos públicos ou privados, a fim de financiar campanhas elogiosas ou que tenham como objetivo difamar ou caluniar a imagem de candidatos; a divulgação de notícias sabidamente inverídicas; a veiculação de mensagens difamatórias, caluniosas ou injuriosas ou o comprovado vínculo entre o meio de comunicação e o candidato“, conforme apontado em decisões recentes quando da análise de representações apresentadas pelas coligações;
5. Observando que o aumento da propagação de desinformação e conteúdos falsos relativos às eleições em meios digitais têm incidido justamente nestas vedações da legislação eleitoral e que a rapidez de circulação de tal conteúdo pode causar dano irreparável ao debate democrático e à lisura do processo eleitoral antes mesmo de que a Justiça Eleitoral possa agir;
6. Tendo em vista o dever de toda empresa que presta serviço no território nacional de cumprir com o disposto na Constituição Federal e demais normas em vigor no país; e, adicionalmente, que decisões de programação e de desenvolvimento técnico dos produtos oferecidos pelos grandes provedores de aplicações de Internet são escolhas que podem resultar na maior ou menor propagação desse tipo de conteúdo enganoso;
8. Ressaltando o fato que, no contexto das eleições dos Estados Unidos, sede da maioria das grandes plataformas por onde se estabelece um ecossistema de desinformação organizado e financiado, uma série de medidas emergenciais foram tornadas públicas e adotadas em período restrito para tentar garantir a lisura do pleito e evitar a incitação de violência naquele país;
9. Observando que termos de uso e políticas de integridade cívica de algumas dessas plataformas já estabelecem parâmetros para remoção de conteúdos que promovem intervenções ilícitas e incentivo à violência no processo eleitoral e na implementação de seus resultados;
10. Analisando as medidas tomadas pelas plataformas digitais desde o início da campanha eleitoral até a presente data; e
11. Visando colaborar com o Tribunal Superior Eleitoral nas atividades do Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação da Justiça Eleitoral e reforçar a importância de medidas dispostas na recém aprovada resolução do TSE,
A Coalizão Direitos na Rede apresenta a seguir recomendações às plataformas de redes sociais e serviços de mensageria privada, em seguimento às demandas apresentadas no documento da campanha Democracia pede Socorro e em posicionamentos anteriores da CDR.
I. Anúncios eleitorais e políticos
Principais problemas: Anúncios eleitorais nas plataformas geridas pelo Google e pela Meta não têm passado pelo devido processo de autorização requerido pelo TSE, seja porque são postados de fora do Brasil, seja porque dependem do próprio anunciante declarar que se trata de um anúncio eleitoral, o que nem sempre acontece. Outros, ainda que declarados, têm sido publicados irregularmente, sem o rótulo de “propaganda eleitoral” ou sem identificação de CNPJ do responsável pela peça. Ao mesmo tempo, conteúdos eleitorais (envolvendo nomes de candidatos, partidos e temas das eleições), chamados pelas plataformas de “anúncios políticos”, vêm sendo impulsionados como se não fossem eleitorais, permitindo uma burla da legislação nacional, em práticas como impulsionamento pago por empresas. Levantamento do Netlab da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) aponta que 7 em 10 anúncios no Google estão irregulares, pelos motivos supracitados.
Anúncios com conteúdo que questionam a integridade do sistema eleitoral brasileiro, mesmo que vedados pela política das plataformas, também seguem circulando. O mesmo documento do Netlab/UFRJ ainda identificou peças publicitárias nas plataformas da Meta que atacavam as urnas eletrônicas, defendiam o voto impresso e deslegitimam o STF e TSE. Segundo apuração do The Intercept Brasil, entre outras, apenas Google e Meta receberam R$ 184 milhões em anúncios somente no 1º turno das eleições.
Recomendações emergenciais:
→ Anúncios publicados em português brasileiro devem passar por filtros de verificação prévia de conteúdo com termos referentes ao processo eleitoral, para que somente aqueles em adequação à legislação eleitoral brasileira sejam veiculados. A medida é factível de execução, considerando que já existem filtros de verificação nas plataformas que visam impedir anúncios que contrariam suas diferentes políticas. Diferentemente de postagens dos usuários, anúncios não estão protegidos pelo direito à liberdade de expressão.
→ Maior incentivo a parcerias entre TSE e centros de pesquisa focadas em monitorar anúncios. Para tal, cabe maior colaboração por parte das plataformas a fim de permitir auditoria de terceiros em seu sistema de anúncios.
→ Ampliar o tempo de restrição para veiculação de propaganda eleitoral e impulsionamento de conteúdo político. A recente resolução do TSE, de 20 de outubro de 2022, é bem vinda ao vedar a veiculação de anúncios eleitorais no intervalo entre 48 horas antes e 24 horas depois da votação. Porém, observando que nas eleições presidenciais dos EUA plataformas como o Facebook restringiram, por iniciativa própria, anúncios políticos uma semana antes da votação, recomendamos, diante das características de disseminação de conteúdos na Internet, que o tempo de limitação de anúncios por esse meio seja maior.
II. Impulsionamento de conteúdo denunciado como desinformação eleitoral
Principais problemas: Diferentes políticas de plataformas de redes sociais permitem que postagens já denunciadas por usuários como desinformativas continuem recebendo impulsionamentos e dando lucro para as plataformas até que a violação de determinada regra interna seja confirmada. No contexto eleitoral, esse tipo de política permite que as redes sociais sigam lucrando com a distribuição ampliada (não orgânica) de potenciais conteúdos desinformativos até aplicarem sobre eles suas próprias políticas, caracterizando grande risco ao processo democrático.
Recomendação emergencial:
→ Conteúdos alvo de denúncia de usuários não devem poder ser impulsionados até que passem pelo processo de avaliação/moderação das plataformas. Assim, evita-se que postagens potencialmente desinformativas se propaguem ainda mais enquanto ocorre o processo de revisão da denúncia, que pode demorar vários dias.
III. Priorização de provedores de conteúdo desinformativo eleitoral em mecanismos de busca
Principais problemas: É sabido que muitos sites que se apresentam como jornalísticos foram criados como páginas para produção e distribuição de desinformação. Estudos de grupos de WhatsApp e Telegram, como os boletins especiais publicados pelo NetLab da UFRJ e apurações da agência checadora Aos Fatos, apontam sites que têm operado de maneira sistemática como fontes de desinformação e cujas URLs figuram como as mais compartilhadas em centenas de grupos nesses apps. Também são páginas que financiam anúncios contra o sistema eleitoral. Porém, ainda que reconhecidamente como hubs do ecossistema da desinformação organizada e financiada, essas páginas continuam indexadas pelo algoritmo do Google e algumas, por se auto intitularem como “publishers”, podem se beneficiar da proeminência dada pela ferramenta de busca a veículos de imprensa.
Recomendação emergencial:
→ Despriorização em mecanismos de busca, assim como em redes sociais, de conteúdos postados por páginas repetidamente caracterizadas como propagadoras sistemáticas de desinformação de acordo com decisões da Justiça.
IV. Monetização, recomendação e priorização de canais que promovem desinformação eleitoral
Principais problemas: é notório que grandes canais que disseminam desinformação eleitoral continuam gozando de ferramentas para monetizar seu conteúdo, impulsioná-lo ou, ainda, tê-lo entregue por priorização e recomendação algorítmica em redes sociais como o Youtube. Desta maneira, a plataforma dá oxigênio e amplificação a atores e narrativas que representam enorme influência indevida (e econômica) no pleito.
Recomendação emergencial:
→ Perda de privilégios de monetização, priorização e recomendação de canais que são contumazes na disseminação de narrativas desinformativas de cunho eleitoral, que desrespeitam ou zombam de decisões judiciais a fim de torná-las inócuas.
V. Postagens contra a integridade do sistema eleitoral e resultado das eleições no dia ou logo após o pleito
Principais problemas: No contexto das eleições presidenciais nos EUA, a Meta implementou medidas temporárias para reduzir o alcance de conteúdos desinformativos sobre resultado das urnas, direcionar usuários ao equivalente ao TSE no país sempre que algum candidato ou partido anunciasse falsa vitória ou deslegitimasse os resultados da eleição, e medidas para remover conteúdos de grupos que convocassem atos violentos. A política foi apelidada de ‘break-glass’ tools, denotando estados de emergência. De maneira semelhante, o Twitter também implementou uma política emergencial, mudando temporariamente suas medidas de integridade cívica para “rotular os tweets que alegavam falsamente uma vitória para qualquer candidato e remover os tweets que incentivassem a violência ou incitassem as pessoas a interferir nos resultados das eleições ou no bom funcionamento dos locais de votação”.
Assim como ocorreu nos EUA, existem temores fundamentados de que os resultados das urnas, após o 2º turno, serão alvo de conteúdo desinformativo e até de chamados para atos de violência no Brasil. Parte importante das plataformas, entretanto, ainda não tornou público se adotará medidas temporárias no mesmo sentido no Brasil.
Recomendação emergencial:
→ Assim como ocorreu no contexto das eleições presidenciais estadunidenses, as plataformas devem implementar medidas emergenciais no caso da circulação de desinformação que questionem de maneira específica e clara o resultado da apuração do TSE, bem como postagens contendo convocações para atos de violência contra o sistema eleitoral e demais instituições democráticas brasileiras.
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A Coalizão Direitos na Rede entende como centrais para a lisura e continuidade do pleito eleitoral a implementação de medidas mais consistentes e eficazes de combate à desinformação como complemento à atuação das autoridades eleitorais em nível regional e nacional.
Aqui, entendemos como chave a preservação da integridade do processo eleitoral, bem como a capacidade de decisão dos eleitores e eleitoras brasileiros sem influências realizadas por meio de conteúdos fraudulentos e mentirosos.
Ficamos à disposição para mais informações ou eventuais elucidações sobre as propostas aqui expostas.
Brasília, 21 de Outubro de 2022
Coalizão Direitos na Rede