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Paradoxo da Intolerância

Arthur Almeida Racismo Estrutural

No domingo (16) de manhã, a Folha de SP publicou, em uma de suas colunas, um artigo que remonta a tese de que exista racismo contra pessoas brancas, ou seja,

No domingo (16) de manhã, a Folha de SP publicou, em uma de suas colunas, um artigo que remonta a tese de que exista racismo contra pessoas brancas, ou seja, o racismo reverso.Quem foi o autor do artigo? Um homem branco, Antônio Risério, antropólogo, poeta e romancista.

Um texto claramente beligerante, com muitos remorsos e intolerante. Há quem diga como um certo apresentador de podcast: “ter uma opinião racista é crime?”. Ou que mitigue preconceito e opinião. Publicar um texto abertamente intolerante, não é democrático, e sim é dar voz a mais intolerância, o que deve ser combatido. O paradoxo da intolerância diz que: Se tem 10 pessoas sentadas a mesa e chega um nazista e senta, e ninguém se levanta, temos 11 nazistas. Dar voz a isso é replicar a intolerância de pessoas rancorosas e preconceituosas.  

É até plausível que um sujeito branco, de classe média alta, endosse esse tipo de ideias e pensamentos, haja vista que durante 5 séculos, o seu povo jamais foi questionado sobre os absurdos cometidos contra o povo preto – meu povo . Então, é compreensível esse pensamento. Contudo, não pode ser tolerado! Sequer publicado em um dos jornais de maior circulação e prestígio no país. Mas, entendemos o porquê desse texto, demonstra que estamos incomodando, e isso quer dizer que estamos no caminho certo.  

Atualmente, minha leitura diária é Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano. Um livro extraordinário que desmascara por completo todo o processo de roubo, extorsão, estupro, destruição da América Latina num geral. E o que isso tem a ver com o texto de “racismo reverso”? Ora, caro leitor e cara leitora!  Não podemos falar de racismo, sem falar do capitalismo, das cruzadas dos portugueses, espanhóis, ingleses, franceses, holandeses, enfim das grandes potências europeias à América Latina para poderem assassinar os povos originários, catequisar os que ficaram vivos, estuprar as mulheres indígenas e roubar todas as nossas riquezas, que foram usadas em suas revoluções industriais e suas guerras familiares.

No século XVI, estima-se que 5,8 milhões de pessoas negras foram trazidas do continente africano para o Brasil. Nem todos chegavam ao destino final com vida. Alguns jogavam-se no mar e morriam, seja por ataques de tubarão, seja afogamento. Outros morriam de doença, outros por fome. E aqueles que conseguiam chegar no porto brasileiro, mas que estavam doentes, eram deixados para morrer, dentro dos navios. Os restantes que estavam aptos ao trabalho, iam para as fazendas de cana-de-açúcar. Para situar os leitores, nos séculos XVI e XVII o principal produto brasileiro era o açúcar. Por isso, a quantidade gigante de escravos trazidos do continente africano, para que os engenhos não parassem.

Aliás, com a queda da produção açucareira e o descobrimento da prata nas montanhas de Potosí e o sonho de encontrar as Montanhas de ouro e prata, na América Espanhola, fizeram os olhos dos portugueses se voltarem para as Minas Gerais. Onde, mais uma vez, o povo preto foi usado como ferramenta, dessa vez para mineração e extração de ouro. Milhares de mineiros pretos morreram vítimas de desmoronamentos, doenças pulmonares, poeira e umidade. Além da falta de alimentação adequada e péssimas condições de trabalho. 

A economia do Brasil colônia girava em torno da mão de obra escrava, porque era barata e facilmente substituível. Inclusive, o trabalho escravo foi regulamentado pelo Direito.

É elementar falar sobre esse assunto para entender como o povo preto foi tratado ao longo de mais de 500 anos de Brasil. Avançando para o século XIX, durante ciclo do café, o Brasil adotou uma política de branqueamento da população brasileira, fomentando a chegada de imigrantes europeus que vinham para substituir a mão de obra escrava e eram assalariados.

Essa política foi implantada com a intenção de fortalecer às novas políticas econômicas internacionais, ou seja, as pessoas precisavam receber um salário para poderem consumir, por isso a mão de obra escrava, que antes era vista como essencial, foi abolida. Logo, a abolição da escravatura, em 1888, foi devida a pressão externa das potências para que se pudesse solidificar a nova ordem mundial econômica, e não porque a Princesa Isabel era “boazinha”.  

E em qual lugar as pessoas pretas escravizadas por gerações e gerações foram incluídas? A resposta é: não foram! Com a abolição e consequente libertação dos escravos e escravas, eles não sabiam fazer nada além de servir. A maioria não sabia nem ler, nem escrever. Jamais puderam estudar. Não sabiam nenhuma profissão. Ou seja, passaram a viver na marginalidade, em cortiços onde a vida era muito dura e sem perspectiva.

“No fim do século XIX, a elite política e intelectual brasileira teria sentido a necessidade de “branquear” a população brasileira, já que as teorias raciais clássicas exaltavam a pureza racial e pregavam que a mistura racial provocava necessariamente degeneração. (HOFBAUER, 2011). Esta elite, que via-se caminhando para um fim certo do regime de escravidão (Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão, e já sofria pressões internacionais para que a mesma chegasse ao fim), “preocupava-se” que o futuro do Brasil estivesse comprometido devido a presença do grande número de africanos e afrodescendentes, os quais eles consideravam como uma “raça inferior”. (HOFBAUER, 2011).”[1]

Aliás, nesse mesmo período, a Polícia Militar[2] foi criada. Essa foi feita para proteger os cafezais dos grandes produtores, da população preta que passava fome. Além disso, leis foram feitas para proibir que a cultura negra se espalhasse pelas ruas. Atualmente essas leis tem nomes diferentes, mas tem efeitos iguais. Por exemplo, a lei 11.343/06, Lei de Drogas é uma das maiores responsáveis pelo encarceramento em massa de jovens negros e por instituir a guerra às drogas, que certifica o assassinato todos os dias de jovens negros e negras.

Por causa dessa política de miscigenação, o Brasil tem o sistema racista mais perfeito do planeta, por quê? Porque, nós temos uma falsa democracia racial, onde supostamente ninguém é discriminado por sua cor. “Somos todos descendentes de pretos”, eles dizem. Todavia, que tipo de democracia racial é esta na qual pessoas pretas ainda continuam recebendo muito menos que pessoas brancas, não ocupam cargos de poder e liderança, em que ainda são assassinados todos os dias nas vielas, nas ruas? Matam nossos filhos, filhas, irmãos, irmãs, pais, mães, netos e netas. E tudo se resume a uma nota triste no jornal. Quando não, duvidam da idoneidade daquele que foi assassinado.


[1] https://minionupucmg.wordpress.com/2017/08/21/politica-de-branqueamento-da-populacao-brasileira/

[2] https://www.outroladodahistoria.com/2022/01/a-historia-da-policia-militar-criada.html

Foto do Arthur. Ele tem barba, veste terno, sorri e olha diretamente para a câmera.



Arthur Almeida, Sócio-proprietário do escritório Almeida Barbosa Advocacia e Assessor jurídico administrativo do AqualtuneLab